Os Pinheiros de Barcelos em V. N. de Famalicão

por João Afonso Machado*

À memória do meu parente Dr. Armindo Pinheiro de Lacerda, entretanto falecido, agradecendo a sua amável colaboração na realização deste trabalho

A consolidação da Dinastia de Aviz abriu um novo capítulo nos anais da então vila de Barcelos. Com o acordar do século XV é firmado o matrimónio de D. Afonso, bastardo d’ El-Rei D. João I, com D. Beatriz, a filha única e herdeira de D. Nuno Álvares Pereira. O jovem casal personifica os primeiros Duques de Bragança, e é-lhe atribuído o senhorio da “Princesa do Cávado” e do seu termo e o condado de Barcelos com que fora agraciado o Condestável.

Não tardarão a criar paredes a Colegiada de Santa Maria e o Paço ducal, bebendo as águas do rio enquanto a ruína não fez dele a actualidade. E, antes ainda, porque se mantinham tensas as relações com Castela e Barcelos redobrara de importância estratégica, antes do mais, soube o Duque D. Afonso obter do seu régio Pai permissão para cobrar tributos financiadores da obra imprescindível – o amuralhamento do burgo.

Empreendimento demorado, bem estudado, com um robusto resultado final. Orientou-o o fidalgo galego Tristão Gomes Pinheiro, da família dos Senhores do Castelo de Nareyo, na Galiza, e aparentado com Teresa Lourenço, a mãe do Mestre de Aviz. Veio para Barcelos propositadamente para esse efeito. E por lá ficou até ao fim dos seus dias.

Por lá casou também. Com Branca Esteves, da mítica Torre de Outiz, sita na freguesia assim nomeada, hoje do concelho de V. N. de Famalicão. Mas edificou a sua residência em Barcelos, logo abaixo da Colegiada, defronte à medieva ponte. É o que sempre se designou o “Solar dos Pinheiros”, monumento nacio- nal (um dos dois únicos imóveis particulares em Portugal galardoados com tal classificação), ainda agora na propriedade de descendentes seus, os filhos e netos de Francisco Manuel Cardoso de Meneses Pinheiro de Azevedo e de sua Mulher D. Mariana de Jesus Barbosa Pereira de Sottomayor de Azevedo e Bourbon.

Remonta o Solar dos Pinheiros a data anterior a 1446, se bem que posteriormente ampliado e valori- zado na sua arquitectura. Entretanto, a filha de Tristão Gomes e de Branca Esteves, Mor Pinheiro, vem a casar com Martim Gomes Lobo, Ouvidor das terras do Duque de Bragança e Alcaide-mor de Barcelos. E é na geração destes últimos que se centrará o presente apontamento. Porque nela seguramente se identificam quantos ainda conservam o apelido e a tradição familiar e histórica dos Pinheiros de Barcelos.

Registe-se, por curiosidade, que as vicissitudes da vida e das épocas deslocaram muitos desses parentes sobretudo para o (novel) concelho de V. N. de Famalicão, onde foram despontando novas casas suas, sempre indexadas ao velho solar. Catalogá-las é também o objectivo deste trabalho.

Entre a prole de Martim Gomes Lobo e de Mor Pinheiro contam-se Branca e Isabel Pinheiro, as que precisamente mais nos interessam. Com esta última o Solar prossegue e vai-se engrandecendo. Já a sua irmã assinala a génese de um novo ramo nas freguesias de Mouquim e Cruz, do actual território famalicense. Principiemos então com a sua sucessão.

* Advogado – Escritor.

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E, sendo assim:

a) Quinta da Costa

Branca Pinheiro – A Quinta da Costa e a Casa de Pindela

Consorciou-se Branca Pinheiro com Diogo Afonso de Carvalho, Corregedor em Trás-os-Montes e Desembargador do Paço no reinado de D. Afonso V. Provinha da nobilíssima estirpe dos Carvalhos de Guimarães, amerceados em 1444 com um reguengo em Mouquim, decerto a Quinta da Costa onde Diogo Afonso de Carvalho e a sua Mulher viveram. Aí criaram a filha, Isabel Pinheiro, que, aí também, casaria com João do Prado, Escudeiro-fidalgo e Senhor da Torre da Juncosa e de Louredo, Ribela, Pindela, Montalvão, Real, Rego e Xisto, morto em combate na tomada de Arzila.

Os seus bens fundiários foram repartidos pelos filhos. As assinaladas propriedades correspondem, todas elas, a topónimos actuais (lugares e quintas) das freguesias de Gavião, Mouquim e Cruz. Mas com história e continuidade na Família Pinheiro, apenas duas: a Costa (que vinha de Diogo Afonso de Carvalho) e Pindela (de João do Prado).

Casou Afonso Pinheiro com Constança Figueira, neta de um fidalgo toledano, Lopo de la Higuera, que por haver morto um familiar dos Reis Católicos se homiziou em Portugal, recebendo carta de naturalização

????Quinta da Costa – Mouquim

concedida em 1489 por D. João II.
Estamos em plena aventura dos mares. As caravelas e as naus chegam cada vez mais longe no

Desconhecido. A miragem da India transforma-se em realidade. Dos quatro cantos do Reino se afoitam os mancebos em demanda da fama e da riqueza, rumando o Oriente. Assim também com os filhos varões de Afonso Pinheiro – Sebastião, Paulo, Lopo – que as embarcações levaram e jamais trouxeram. A Costa pros- segue, por isso, com a irmã destes, Brites Pinheiro, que se matrimoniou com Gaspar de Lemos. E depois, geração sobre geração, sempre nos Pinheiros, vêmo-la encabeçada em Lopo Dias de Lemos, casado com Leonor da Fonseca Coutinho; Francisco Pinheiro Lobo, com Maria da Cunha; Paulo Pinheiro Lobo, com D. Leonor de Castro Pimentel; D. Luísa Maria Pinheiro Lobo, com António Arraes Furtado de Mendonça; António Arraes Furtado de Mendonça Lobo, com a sua parente D. Isabel Francisca de Mendonça; Luís Pinheiro de Mendonça, com D. Francisca Josefa de Almeida; Jerónimo Pinheiro Furtado de Mendonça Lobo, com a sua prima D. Antónia Maria Pinheiro Arraes; e, finalmente, António José Pinheiro Furtado de Mendonça Lobo Arraes, com D. Josefa Francisca de Melo e Meneses.

São dez gerações contadas desde a partilha de bens de João do Prado e de Isabel Pinheiro, sempre no mesmo sangue. Aconteceu, todavia, que António Pinheiro, o filho único e natural herdeiro do último Senhor da Costa, morreu antes do seu progenitor, em 1833, no ataque das tropas liberais a Vila do Conde,

Afonso Pinheiro foi o primogénito de João do Prado e de Isabel Pinheiro. Por morte dos seus pais, caber-lhe-ia a titularidade da Juncosa, de Ribela e da Costa. Conforme já referi, apenas esta se demorou na posse dos Pinheiros, aformosada com uma esca- daria de dois lanços no seu corpo principal e engran- decida com uma capela seiscentista da invocação de Nossa Senhora da Conceição (tal qual a sua congénere de Pindela).

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de cuja Milicia era Capitão. Solteiro e sem descendencia, assim pereceu António Pinheiro, nesses anos desvairados de guerra civil. E, por isso, a Costa e o morgadio respectivo que (na apreciação de José de Sousa Machado, in “Apostilhas aos Costados das Últimas Gerações de Entre-Douro-e-Minho”) deviam “passar por vocação de lei” aos de Pindela, os parentes mais próximos, transitaram para a família da Torre da Correlhã, de onde provinha a sobredita D. Josefa Francisca, quando esta enviuvou.

A Costa andou depois por mãos diversas, todas alheias às das suas origens. Parte do seu arquivo documental, contendo interessantes peças de teor genealógico, preserva-se em Pindela. E ostenta, ainda hoje, exteriormente, a sua traça primitiva, em notável estado de conservação que os jardins e o arvoredo circundante bem realçam.